Nas últimas semanas deste segundo semestre de 2024 houve uma discussão intensa sobre a volta do horário de verão, que foi extinto desde o ano de 2019. Dentre as pautas mais debatidas, estava o quanto poderia se ter de economia nos momentos mais críticos de consumo (horário de pico).
Um dos principais argumentos para a volta do horário de verão seria a possibilidade de aliviar a demanda de potência sobre o sistema elétrico durante os períodos de pico, geralmente concentrados entre 18h e 21h.
Com o horário de verão, essa janela de maior consumo passaria a coincidir com um momento do dia em que ainda há luz solar, o que poderia reduzir a necessidade de acionamento de geradores que possuem como fonte primária combustíveis fósseis, como as termelétricas.
Estas fontes além de serem mais caras, possuem maior impacto ambiental, mas são necessárias muitas vezes para atender a esses picos de demanda. Ademais, há a discussão que o retorno do horário de verão poderia beneficiar o setor elétrico em termos de segurança e estabilidade do sistema.
Com uma diminuição na demanda de pico, as redes de transmissão e distribuição enfrentariam menos sobrecarga, o que reduz o risco de apagões e outros problemas técnicos.
Além destes, surgiu também a discussão do quanto o horário de verão poderia impactar no retorno econômico de quem possui sistemas de geração solar fotovoltaica, por conta, principalmente, de um possível impacto na simultaneidade.
Aproveitando este tema, este artigo visa apresentar um estudo da influência do horário de verão no autoconsumo da energia proveniente de fontes de energia solar. O objetivo é mostrar se há um aumento expressivo da simultaneidade entre a geração fotovoltaica e o consumo do cliente.
Esse aumento da simultaneidade ajudaria a melhorar o retorno econômico do sistema fotovoltaico, além de demandar menos energia do Sistema Interligado Nacional e, consequentemente, reduzir a demanda nos horários críticos.
Conforme a NT-ONS DPL 0093/2024, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) destacou alguns benefícios para a reintrodução do horário de verão nos subsistemas Sul, Sudeste e Centro-Oeste, especialmente no que se refere à redução da demanda de pico no horário noturno.
A Figura 1 ilustra um exemplo da curva de carga típica para o subsistema Sudeste/Centro-Oeste, comparando cenários com e sem a adoção do horário de verão.
Embora a Nota Técnica do ONS tenha demonstrado que não houve uma redução significativa no consumo total de energia dos subsistemas analisados, foi observada uma diminuição na potência de pico no horário noturno. Essa redução acarreta dois impactos financeiros, uma de curto prazo e outra de longo prazo, respectivamente:
- Redução de custos com combustível: uma economia de até R$ 356 milhões no uso de combustível para termelétricas;
- Diminuição no custo de contratação de reserva de capacidade: a queda da demanda de pico pode gerar uma economia anual de cerca de R$ 1,8 bilhão, de acordo com o ONS.
O estudo realizado pelo ONS é sistêmico, abrangendo diferentes formas de geração e perfis de consumo de energia. No entanto, surgem as seguintes questões: qual é o impacto do horário de verão para consumidores residenciais de baixa tensão com sistemas fotovoltaicos? Esse impacto é relevante? Este artigo se propõe a responder as essas perguntas.
Horário de verão em consumidores residenciais
Para avaliar o impacto do horário de verão em consumidores residenciais, foi analisado o perfil de consumo de um transformador da rede de média/baixa tensão da concessionária CPFL Paulista que alimenta clientes majoritariamente residenciais. As Figuras 2 e 3 mostram as curvas de carga para dias úteis e finais de semana, respectivamente.
A modelagem deste estudo pressupõe que os hábitos de consumo dos clientes residenciais não sofrem alteração significativa com a mudança no horário de verão, ou seja, a comparação da introdução ou não do horário de verão será realizada considerando que o cliente mantém o mesmos hábitos de consumo de energia.
Assim, a principal consequência é o deslocamento da curva de carga em uma hora para frente. As Figuras 4 e 5 mostram esse deslocamento para dias úteis e finais de semana.
Repara-se que, como no horário de verão se adianta em uma hora o relógio, para comparação com o sistema de geração solar, é como se a curva de carga se deslocasse uma hora para a esquerda, como mostrado na Figura 4.
O pico de consumo que antes ocorria próximo às 18h, passa a ocorrer às 17h, se pegarmos como referência a projeção da luz do sol na terra.
Isso fica mais facilmente visível se pararmos para pensar que se todos os dias finalizamos o trabalho às 18h e a noite está se aproximando, no horário de verão o término continua sendo as 18h, mas a noite demorará mais para chegar, visto que o relógio foi adiantado uma hora.
Claro que aqui há o efeito de solstício de verão, em que os dias são mais longos que as noites, mas essa situação não muda com a adoção ou não do horário de verão.
Variação da simultaneidade da geração fotovoltaica com o horário de verão
Um sistema fotovoltaico de 30 kW (CA)/37,4 kWp foi considerado adequado para atender à demanda média do ramal analisado, de acordo com os dados extraídos das curvas de cargas apresentadas nas Figuras 2 e 3.
A Figura 6 apresenta a tabela com o consumo e a geração total mensal, além da média anual de cada uma dessas variáveis (consumo e geração). A geração em análise foi obtida da simulação em PVsyst do sistema fotovoltaico proposto neste tópico (37,4 kWp) que visa atender a demanda de consumo.
O sistema simulado considerado foi para a cidade de Campinas (SP), para atender a curva de carga apresentada, da área de concessão da CPFL Paulista.
Para avaliar o impacto do horário de verão sobre o autoconsumo, é necessário analisar simultaneamente as curvas de cargas e de geração com e sem horário de verão. As Figuras 7 e 8 mostram essas curvas.
Observa-se que, em dias úteis, o autoconsumo no final da tarde aumenta devido ao deslocamento da curva de carga para a esquerda, se aproximando da curva de geração, como já explicado no tópico anterior.
Já aos finais de semana, não foram observadas alterações significativas, devido ao perfil de consumo ser bastante linear.
Com base nas curvas de geração e consumo, foi tabelado o percentual de autoconsumo com e sem a aplicação do horário de verão. Como o horário de verão abrange os meses de novembro a fevereiro, a tabela da Figura 9 reflete essa variação apenas para estes meses, isso para que se possa ter uma análise do resultado do impacto do horário de verão na variação da simultaneidade.
A análise indica que, para este estudo de caso, o aumento médio do autoconsumo durante o horário de verão é de aproximadamente 1,125%. Isso significa que o horário de verão aumentaria em média a simultaneidade deste perfil de consumo em apenas 1,125%, um valor bastante irrelevante.
O mês em que a diferença seria maior, fevereiro, esse aumento seria de 1,43%, demonstrando que o horário de verão pouco impactaria na relação consumo/geração fotovoltaica de um cliente residencial de baixa tensão.
Conclusão
Com base nas premissas deste estudo, constatou-se que o horário de verão promove um aumento médio de 1,125% no autoconsumo dos clientes residenciais dessa área de concessão (CPFL Paulista).
Valor bastante baixo e que não apresenta aumento significativo numa eventual volta do horário de verão, isso quando se analisa a simultaneidade do consumo e geração de fontes de geração solar provenientes de geração distribuída.
Perfis de curvas de cargas diferentes podem aumentar essa porcentagem da simultaneidade e tornar a redução do consumo nos horários críticos mais atrativos e consequentemente gerando melhores indicadores que justifiquem a volta do horário de verão.
Portanto, cada análise deve-se ter como premissa o perfil de curva de carga, que é, no fim das contas, o ponto crucial que fará com que a implementação do horário de verão seja benéfica ou não.
Fonte: Canal Solar